Malditos sejam os momentos de silêncio extensos, malditos sejam.  São cicatrizes recentes de uma ferida que ninguém ousa tocar, a dor ainda é presente, a aparência repugnante, mas talvez pensa-se que se ignoradas elas deixam de existir. Se existem estão agora cobertas com meticulosidade pelo tecido fino e sedoso do silêncio, bendito seja. Vê lá, um raio no horizonte, ele também brilha em silêncio mas aguenta pouco, daqui a pouco ele o quebra visto que é demais até para ele. Não falei? Já bradou. Oxalá fosse como tal, que pudesse gritar de uma vez depois de muito segurar, não, quanta besteira, já gritei demais, o silêncio é apenas consequência do barulho de outrora. Vou apenas aguentar um pouco mais, daqui a pouco chegamos em casa. Mais um carro passa a nossa frente, mais água bate no vidro ameaçando nos encharcar, ousadia supérflua da água, bem sei que ela não pode entrar aqui, a única coisa que entra é o som molhado de seu encontro; tolo som também, tenta brigar com algo que está além de sua força, não se iguala nem distantemente do magnânimo, o insuperável, invicto silêncio. Penso em ligar a rádio, já está ligada, para não tornar inútil a viagem da mão decido desliga-lo. Má decisão, a canção barulhenta do silêncio apenas intensificou, mas não posso voltar atrás, tornar a ligar o rádio seria uma tolice e me faria parecer ainda mais tonto. Deixa como está, daqui a pouco chegamos em casa, quanto que falta mesmo? Muito.